IA no Campo: Como a Inteligência Artificial Pode Transformar o Mercado de Fertilizantes no Brasil

o novo ciclo verde da agricultura brasileira

O agronegócio brasileiro está prestes a entrar em um novo ciclo de modernização — um ciclo que une soberania produtiva, eficiência ambiental e inteligência de dados.
Nos últimos meses, o governo federal anunciou uma série de iniciativas e investimentos voltados à retomada da produção nacional de fertilizantes, um tema estratégico que afeta diretamente a competitividade e a segurança alimentar do país.

Hoje, cerca de 85% dos fertilizantes utilizados no Brasil são importados, o que torna o setor vulnerável à volatilidade do câmbio, custos logísticos e crises geopolíticas. Para reverter esse cenário, programas como o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) e o Invest in Brazil Fertilizers vêm estimulando a instalação e reativação de fábricas, a produção de biofertilizantes e a atração de investidores internacionais.

Nesse contexto, a Inteligência Artificial (IA) emerge como um dos pilares tecnológicos mais promissores para transformar todo o ecossistema de fertilizantes — desde o desenvolvimento de novas formulações até o uso eficiente no campo.
A convergência entre agrotecnologia, química verde e IA não apenas aumenta a produtividade, mas também reduz custos, emissões de CO₂ e desperdícios, impulsionando um agro mais sustentável e autônomo.

1. Panorama do mercado brasileiro de fertilizantes

O Brasil é uma potência agrícola mundial, mas sua dependência de insumos importados representa um risco estrutural. Em 2025, as entregas de fertilizantes cresceram 10,5% no primeiro semestre em relação ao ano anterior, segundo dados da ANDA. Entretanto, a maior parte desse volume veio de fora do país.

As previsões do governo indicam que a demanda nacional chegará a 58,5 milhões de toneladas anuais até 2030, e poderá atingir 73 milhões até 2036. O desafio, portanto, não é apenas expandir a oferta, mas reconfigurar a base produtiva, fortalecendo a indústria local de nitrogenados, fosfatados e potássicos.

Nos últimos meses, o governo anunciou a reativação de plantas industriais estratégicas, incluindo:

  • UFN-3 (Mato Grosso do Sul), uma das maiores unidades de fertilizantes nitrogenados da América Latina;

  • Fafen-BA e Fafen-SE, antigas fábricas da Petrobras agora reestruturadas sob novos modelos de gestão;

  • Projeto de reativação da ANSA (Paraná) e novas iniciativas de biotecnologia aplicada à fertilização orgânica.

Esses movimentos, aliados à criação do Invest in Brazil Fertilizers, apontam para uma política de soberania industrial inédita nas últimas décadas. E é justamente nesse cenário de expansão e transformação que a IA se insere como catalisadora de inovação.

2. Por que o setor precisa de Inteligência Artificial

A cadeia de fertilizantes é extremamente complexa. Ela envolve:

  • extração e beneficiamento de minerais;

  • processos químicos intensivos em energia;

  • transporte em grande escala;

  • controle de qualidade e rastreabilidade;

  • aplicação em campo sob condições variáveis de clima, solo e cultura.

Cada um desses elos gera volumes massivos de dados — físico-químicos, ambientais, logísticos e operacionais — que raramente são integrados. É aí que a IA oferece um salto qualitativo.
Com algoritmos de aprendizado de máquina e modelos preditivos, é possível correlacionar variáveis que antes eram analisadas de forma isolada, revelando padrões invisíveis ao olho humano.

A IA permite que decisões em toda a cadeia sejam baseadas em dados em tempo real, antecipando problemas e otimizando recursos. Para o Brasil, isso significa:

  • menor dependência externa;

  • maior eficiência na produção local;

  • uso racional de insumos e menor impacto ambiental;

  • maior previsibilidade e segurança alimentar.

3. Aplicações de IA na cadeia de fertilizantes

A seguir, exploramos as principais frentes onde a IA pode atuar de forma estratégica.

3.1. Descoberta e otimização de novas formulações

O desenvolvimento de fertilizantes é, essencialmente, um processo químico de otimização — equilibrar nutrientes (N, P, K e micronutrientes), custo e impacto ambiental.
Com IA, esse processo torna-se data-driven: algoritmos analisam milhares de combinações de compostos, condições de reação e propriedades desejadas, simulando em minutos o que levaria meses em laboratório.

Modelos generativos e simuladores químicos baseados em IA podem:

  • prever solubilidade e liberação controlada de nutrientes;

  • sugerir aditivos que melhorem a eficiência de absorção pelas plantas;

  • identificar matérias-primas alternativas (como resíduos agrícolas, minerais locais ou compostos orgânicos biodegradáveis).

Na prática, isso significa reduzir custos de P&D, acelerar lançamentos e aumentar o índice de sustentabilidade dos produtos.
Empresas químicas já utilizam sistemas similares em formulações de catalisadores, polímeros e cosméticos — e o mesmo paradigma começa a chegar ao agro.

3.2. IA e o manejo de solo de precisão

Um dos maiores potenciais da IA no campo está na integração de dados geoespaciais e agronômicos.
Imagens de satélite, drones e sensores IoT coletam informações sobre textura do solo, umidade, teor de nutrientes e presença de pragas. A IA analisa esses dados e gera mapas de fertilização de precisão, indicando onde, quanto e quando aplicar determinado insumo.

Com isso, o agricultor deixa de adubar de forma uniforme e passa a personalizar a adubação por zona de produtividade.
O resultado é:

  • economia de até 30% em fertilizantes;

  • menor risco de lixiviação e contaminação de lençóis freáticos;

  • aumento da eficiência do uso de nutrientes (NUE – Nutrient Use Efficiency).

Além disso, a IA pode ser integrada a sistemas de agricultura regenerativa, recomendando práticas que melhorem a microbiota do solo e reduzam dependência de insumos químicos.

3.3. Logística, estoque e previsão de demanda

A IA também transforma a cadeia logística dos fertilizantes, uma das mais sensíveis da indústria.
Modelos preditivos podem:

  • analisar variáveis macroeconômicas (câmbio, energia, frete, oferta global de gás natural);

  • prever picos de demanda regional por tipo de cultura e estação;

  • otimizar o transporte entre portos, fábricas e centros de distribuição.

Essa inteligência reduz custos e desperdícios, ajudando empresas a evitar falta de insumo em regiões críticas durante o plantio.
No caso das futuras fábricas nacionais, a IA poderá apoiar desde o planejamento da produção até a distribuição final, conectando ERP, PLM e sistemas de supply chain.

3.4. Rastreabilidade e sustentabilidade

Com o avanço das regulações ambientais e metas ESG, rastrear a origem e o ciclo de vida dos fertilizantes tornou-se essencial.
Soluções de IA integradas a blockchain e sistemas de gestão de carbono permitem calcular automaticamente o CO₂ emitido em cada etapa da cadeia, desde a extração até a aplicação no campo.

Esses dados permitem:

  • comprovar conformidade com padrões internacionais (como ISO 14067 e CBAM europeu);

  • facilitar acesso a mercados externos que exigem comprovação de pegada de carbono;

  • promover a imagem de um agro mais verde e transparente.

Na Chemcopilot, por exemplo, ferramentas de IA já conseguem calcular e integrar parâmetros regulatórios e ambientais diretamente em workflows de formulação, algo que pode ser estendido ao segmento de fertilizantes.

3.5. Biofertilizantes e IA preditiva

O futuro do setor caminha em direção a biofertilizantes e fertilizantes especiais, de liberação lenta ou microbiana.
Esses produtos exigem P&D altamente complexo, pois envolvem interações biológicas e químicas que variam com o clima, o tipo de solo e a cultura.

Modelos de IA preditiva e de simulação digital podem:

  • modelar o comportamento de microrganismos fixadores de nitrogênio;

  • prever a estabilidade e a eficácia de compostos biológicos sob diferentes condições;

  • otimizar o uso de matérias-primas locais (resíduos orgânicos, vinhaça, casca de arroz, lodo de esgoto tratado).

Isso abre espaço para fábricas regionais de biofertilizantes inteligentes, com produção customizada e baixo impacto ambiental — algo totalmente alinhado ao PNF e à nova política de bioeconomia do país.

4. O impacto das políticas públicas recentes

A IA só será verdadeiramente transformadora se caminhar lado a lado com políticas públicas e investimentos estruturantes.
O Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado pelo governo brasileiro, estabelece metas claras:

  • reduzir a dependência externa de 85% para menos de 50% até 2050;

  • estimular o uso de biotecnologia e inovação verde;

  • atrair capital privado e fortalecer a produção nacional.

Além disso, o programa Invest in Brazil Fertilizers busca mapear áreas estratégicas e oferecer segurança regulatória a investidores, criando um ambiente propício à inovação.

Essas políticas criam condições ideais para integrar centros de pesquisa aplicada, universidades, startups e empresas de tecnologia em um mesmo ecossistema digital.
A IA, por sua vez, torna-se o elo que conecta todos esses agentes, acelerando a transferência de conhecimento e reduzindo o tempo entre pesquisa e aplicação prática.

5. O desafio da infraestrutura e dos dados

Apesar do potencial, a digitalização do agro brasileiro ainda enfrenta limitações.
A conectividade rural é desigual, a infraestrutura de dados é fragmentada e há escassez de profissionais com formação interdisciplinar (agronomia + ciência de dados + química).

Para que a IA floresça plenamente no setor de fertilizantes, será necessário:

  • investir em infraestrutura de dados abertos, padronizados e interoperáveis;

  • fomentar programas de capacitação técnica em IA aplicada ao agro;

  • incentivar a cooperação público-privada em P&D;

  • estabelecer protocolos de segurança e privacidade de dados agrícolas.

A combinação desses fatores permitirá que o Brasil avance não apenas em produção, mas também em inteligência e autonomia tecnológica.

6. Perspectivas para a próxima década

Nos próximos 10 anos, o Brasil tem a chance de se tornar um dos líderes globais na produção sustentável de fertilizantes, unindo base industrial, inovação digital e abundância agrícola.
Algumas tendências-chave já se desenham:

  1. Digital Twins de processos químicos — simulações completas de plantas de fertilizantes com IA, permitindo prever consumo energético, rendimento e emissões antes mesmo da operação física.

  2. Nano-fertilizantes inteligentes, cuja liberação é controlada por sensores de umidade e pH, ajustando a nutrição conforme o estado do solo.

  3. Fábricas modulares descentralizadas, apoiadas por IA e IoT, que produzem formulações específicas para regiões e culturas locais.

  4. Monitoramento via satélite do uso de fertilizantes e de indicadores de sustentabilidade em escala nacional.

  5. Plataformas de rastreabilidade de carbono, capazes de quantificar o impacto ambiental de cada lote produzido e aplicado.

Essas inovações, combinadas com políticas públicas de incentivo e pesquisa aplicada, podem reduzir drasticamente o custo de produção, melhorar a eficiência e posicionar o Brasil como exportador de tecnologia agrícola inteligente — não apenas de commodities.

7. Conclusão: da dependência à inteligência produtiva

A atual conjuntura de investimentos no setor de fertilizantes marca um ponto de inflexão para o agronegócio brasileiro.
Pela primeira vez em décadas, o país articula soberania industrial, sustentabilidade e inovação tecnológica sob uma mesma estratégia nacional.

A Inteligência Artificial não é apenas uma ferramenta — é a base de um novo paradigma produtivo.
Ela conecta o laboratório ao campo, integra dados antes dispersos e permite decisões mais rápidas, precisas e sustentáveis.
Da otimização química à previsão de demanda, da rastreabilidade à formulação verde, a IA tem o poder de transformar o Brasil de um importador vulnerável em um protagonista da agricultura inteligente e de baixo carbono.

O caminho está aberto. Agora, cabe à indústria, à academia e ao governo aproveitar esse momento histórico para cultivar um futuro fértil em dados, inovação e sustentabilidade.

Paulo de Jesus

AI Enthusiast and Marketing Professional

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